quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Clarice


Certas noites ela saia para correr. Noutras, flertava com meia dúzia de estrelas selecionadas em diferentes constelações para evitar o ciúme. Nalgumas, corria com os cães da praça uivando para os prédios que a lua usava como escudo. Muitas vezes, escondia seus pensamentos numa garrafa que enterrava atrás da casa. Pobre garrafa esverdeada com o marrom decorando seu exterior, era preferível que tudo fosse o interior, branco e preto, branco e azul, sempre salpicado de sangue!.
Durante os dias, fitava os pés, alma vazia, olhos negros como os dizeres dentro do vidro aos pés da árvore do quintal. Sobreviver aos chefes, aos memorandos, aos trins, aos trens, às baldeações, aos sorrisos pardos... Um grande tudo que não lhe dizia nada. Quem a olhasse veria o cabelo preso, a blusa branca, o crachá e só! Afinal, Clarice tinha a alma escura, esverdeada, coberta de marrom.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Caleidoscópio



Um dos maiores exemplos de que tudo depende do ponto de vista é a tal da "verdade". Para aqueles que acreditam, Papai Noel, Saci Pererê, Duendes, bons políticos, todos existem e atuam entre nós. Para os descrentes, é tudo "mentira". Cartesianamente, relativizamos tudo em binarismos e nos cegamos para uma simples questão. Verdade, no singular e com maiúscula, ou verdades, no plural e minúsculas.


Gostamos de polarizar e adoramos provar que "estamos com razão", que "na verdade" "não é bem assim" como os outros pensam. é tão importante nos elevarmos que acabamos por desenvolver o hábito da diminuição alheia. E, se a verdade nos pertence, ao outro sempre reservamos a mentira, a fantasia, a farsa, o engano.


Caramba, será que nos falta tanto amor assim que nos negamos a cogitar a possibilidade de que exista a verdade do outro e do outro e de outros mais? Considerar que ao outro também possam ter sido revelados aspectos de um todo infinitamente complexo a pessoas, crenças, posturas díspares das nossas é uma amostra pálida porém eficiente de amor ao próximo pois revela que somos capazes de nos concentrar mais naquilo que nos equaliza do que no que nos diferencia, mostrando o outro como um igual em potencial e não como um inferior.


A verdade do outro passa a ser complementar e não excludente.


Matizada de azul, pink, amarelo ou verde, a vida supera o cinza que separa o preto obscuro do branco cegante. Agregando as cores das outras verdades, nessa dança constante em que os atores sempre trocam de lugar, nossos olhos enxergam em caleidoscópio e educamos o coração para a maleabilidade, a razão para o semovente e, acima de todas as outras coisas, desatrofiamos o amor, levando-o à expansão para além das fronteiras da cicatriz do nosso cordão umbilical.


Que bom se o republicano e o democrata tomassem chá com o socialista; se o de turbante visse luz nos olhos do de quipá; se o que fala em línguas ouvisse o que fala com espíritos; se o criacionista e o adepto do Big Bang evoluíssem também.


Porque, assim, ao invés de egos ouviríamos ecos. Ressoares de sorrisos, abraços, beijos, apertos de mão não em nome da convivência, nem da tolerância, nem do respeito, porque esses são apenas sobrenomes da grande palavra que muitas vezes sonhamos conhecer por amor. E, afinal de contas... todo caleidoscópio não passa de reflexão, pequenos espelhos, luz e um ponto de fuga, que, ao passar de mão em mão, são mudados e alteram a forma de observar o fenômeno. Quantas possibilidades! Quantas variações feitas por um amontoado de fita crepe e plástico colorido!


Basta mudar as posições. Um passo a mais na direção do outro e jamais os veremos da mesma maneira. E jamais seremos vistos pelo mesmo ponto de vista. Conheceremos as verdades e elas nos aproximarão!


sexta-feira, 23 de julho de 2010

Mulher.

Mulher tem que ter um pouco de drama, um pouco de confusão, um tanto de mistério. Tem que saber jogar, tem que saber confundir e ao mesmo tempo explicar.

Mulher fala não quando quer dizer sim, fala sim querendo dizer talvez.

Mulher não tem manual, e se tivesse não seria tão encantadora. O que encanta são os mistérios, as descobertas, as expectativas que se criam com o que ela poderia querer dizer.

Mulher diz “eu não posso pedir que você me espere”, querendo ouvir “eu vou te esperar pelo tempo que for”, e tem o dom de conseguir ouvir isso da maneira mais pura e sincera que só os desavisados e apaixonados tem.

Mulher se expressa com o olhar, com um sorriso, que só consegue ler quem realmente se dispõe a observar.

Mulher até quando sofre, consegue fazer isso de uma maneira bonita. Pois até quando sofre por outra pessoa, dá vontade de colocar no colo, fazer cafuné, e torcer pra que você consiga tirar toda aquela tristeza que ela insiste em não mostrar, e colocar de volta aquele sorriso que só ela sabe dar.

Mulher é apaixonante pelos detalhes, por ela saber como te fazer sorrir, por ela saber tão bem como jogar, por ela saber que o jogo funciona e até onde ele pode ir.

E é exatamente por ela ser tão complicada, saber jogar tão bem, ter olhos e sorrisos que dizem tudo, sem dizer absolutamente nada, que ela me conquistou, e me deixou assim, tão boba, e tão apaixonada.

Pra você mulher, que consegue me deixar com a cabeça virada, entendendo todas as músicas e querendo dedicá-las todas a você.

Pra você mulher, que me conquistou de uma maneira que hoje eu não sei explicar (e nem poderia por ser você), é esse texto que estava preso gritando pra sair.

Pra você mulher, que eu não consigo entender, mas que eu quero mais que tudo ter ao meu lado, e colocar aquele sorriso lindo de volta no rosto.

Pra você mulher, que me deixou com gostinho de quero mais, todos os meus abraços, todos os meus sorrisos, e todo o meu carinho, por ser assim, tão complicada, e tão mulher.